O Lago dos Cisnes - renascer das águas
Dança e teatro confluem na reinterpretação que André Tecedeiro e Daniel Gorjão fazem do bailado clássico
À beira de um lago encantado, confusa, a pequena Siegfrieda pergunta à mãe por que razão tem de mergulhar. “A mãe sabe o que é melhor para ti. O lago vai curar-te”, responde secamente Lady Rothbart.
O feitiço, no entanto, está prestes a virar-se contra a feiticeira. Após o mergulho, Siegfrieda emerge com um novo corpo, nas palavras da mãe, o de “um mutante”.
São as palavras de quem à margem de um lago se deixa ancorar pela força do medo e da solidão, incapaz de acolher a fragilidade de quem ousou mergulhar.
É precisamente esse tipo de fragilidade, que dá força e torna única cada alma humana, aquele que, a partir de 28 de maio, O Lago dos Cisnes, escrito por André Tecedeiro e com direção artística de Daniel Gorjão, faz subir ao palco do Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém (CCB).
Longe de ser uma adaptação textual do bailado clássico, o espetáculo, que poderia ser definido como uma peça de teatro coreografada, serve-se das personagens originais – o cisne branco Odette, o príncipe Siegfried, o feiticeiro Rothbart e a sua filha, o cisne negro Odile – para definir novas relações entre elas e assim refletir sobre o significado das palavras identidade e amor.
A personagem principal, porém, parece ser o Lago, cujas águas encantadas funcionam como um espelho onde as criaturas se revelam, “livres de ilusão”.
Quem nele se banha não volta a ser igual. Nada até si mesmo e despe-se de aparências, descobrindo que, para ser de forma inteira, tem de ser com todas as contradições que lhe ardem dentro.
Na versão de Tecedeiro e Gorjão, por exemplo, Odile e Odette, cisnes preto e branco, não são antagonistas, mas protagonistas de uma história de amor, na qual um é o reflexo do outro, e ambos vítimas de Rothbart, mãe de Odile, incapaz de suportar a ideia de que o filho possa ser o reflexo de alguém que não dela própria.
A mesma Rothbart que, 20 anos antes, havia renegado a filha mais velha após forçá-la a dar um mergulho no Lago.
“Não me considero criminosa, mas também não me declaro não culpada”, afirma, no início da peça, à entidade que a recebe numa espécie de limbo entre a vida e a morte, a partir do qual assiste, impotente, às consequências das ações praticadas no passado.
São consequências de atos de “amor” feitos com “a melhor das intenções”, explica atabalhoadamente à mesma entidade.
Mas esta, implacável, responde: “O amor que prende transforma-se em violência, sobretudo quando é feito com a melhor das intenções”.
CCB > 28-30 mai, qua-sáb 20h > €6 – €15
O Lago dos Cisnes será também apresentado no Centro de Arte de Ovar, a 6 de junho, no Ponto C, em Penafiel, a 21 de junho, e no Cineteatro Louletano, em Loulé, a 5 de outubro